Autor: Haruki Murakami
Série: 1Q84 #1
Editora: Alfaguara
Ano: 2012
Páginas: 432
Avaliação: 4/5
Extremamente difícil fazer uma resenha para esse livro. Tenho certeza que não vou conseguir demostrar o quanto gostei principalmente pelo fato de não poder falar quase nada sobre a história sem tirar o prazer de quem pretende lê-la. Mas vamos lá.
A narrativa começa com Aomame, adorei essa mulher, ela é tão dona de si, destemida,
totalmente badass. Está nos seus quase trinta anos, atlética, sozinha e que possui uma vida dupla. Trabalha como personal em artes marciais em um clube e faz alguns favores a uma senhora rica que mora nas proximidades.
"...Era preciso encontrar uma maneira adequada de
denominar a nova situação em que se encontrava. Era necessário criar um
termo especial para diferenciar o mundo novo daquele mundo anterior em
que os policiais ainda usavam revólveres. Até mesmo os gatos e os
cachorros recebiam nomes. Um novo mundo também precisava de um.
“1Q84 — É assim que vou chamar esse mundo novo”, decidiu
Aomame. “Com a letra ‘Q’, de Question mark; um ‘quê’ de dúvida, de
interrogação.”
Enquanto caminhava, balançava a cabeça como se reafirmasse
sua decisão." Pg. 127
Os capítulos dela são intercalados com os do Tengo. Ele é um professor de matemática e aspirante a escritor. Certo dia recebe a proposta de refazer um romance de uma jovem de 16 anos, a historia que ela criou é incrível, cheia de fantasia e personagens únicos, mas não tem chance de concorrer a o prêmio de revelação por conta da escrita simplória e pobre. Ele fica nesse dilema, ele deve reescrever? Uma parte diz que sim, ele adorou o livro e gostaria muito de vê-lo de uma maneira mais apropriada à qualidade da história. Mas por outro lado isso é totalmente antiético, ele mexeria na obra de outra pessoa (mesmo com o consentimento) e apenas ela receberia as honrarias por isso.
"...o tempo podia se distorcer conforme avançava.
A despeito de sua linearidade, ele se distorcia ao ser consumado: tornava-se
extremamente lento e pesaroso, ou ligeiro e agradável. Às vezes a
sequência dos fatos era alterada e, em casos extremos, um acontecimento
simplesmente deixava de existir, ou algo até então inexistente passava a
existir. As pessoas reorganizam o tempo aleatoriamente, no intuito de
ordenar sua própria existência. Em outras palavras, as pessoas utilizam
esse mecanismo para preservar a todo custo o seu juízo perfeito. Se
fôssemos obrigados a aceitar o tempo em sua linear uniformidade, nossos
nervos certamente não suportariam o estado de tensão, e a vida se tornaria
uma tortura. Essa era a opinião de Tengo." Pg.301
Aos poucos por meio de Tengo vamos conhecendo a menina que escreveu o livro, ela se chama Fukaeri, é bonita, inteligente mas estranha, ela é quieta e de um olhar intenso que o deixa muitas vezes inquieto. Não consegue articular corretamente as palavras, suas frases são curtas e objetivas. Sem dúvida o autor quis caprichar mesmo é nas mulheres, a Fukaeri a principio é bizarra mas você gosta dela logo de cara, bom, eu pelo menos sim, sempre simpatizo com esse tipo de personalidade.
O tempo todo sentimos no ar que tem algo errado acontecendo e parece que só a excêntrica da Fukaeri sabe a respeito, sabemos que em algum momento o destino desses três vai se colidir e então tudo vai realmente ser exposto e as coisas vão realmente acontecer.
"Aomame demorou para perceber o que estava diferente. Mesmo
após constatar o que havia de estranho, sentiu muita dificuldade em aceitar
o fato. Sua consciência não conseguia reconhecer o que seus olhos
captavam.
No céu havia duas luas: uma pequena e outra grande. As duas
estavam emparelhadas. A lua grande era a mesma que ela estava
acostumada a ver. Era quase uma lua cheia e de cor amarelada. Mas, ao
lado dessa, havia uma outra, bem diferente. Uma lua que ela nunca tinha
visto antes. Tinha o formato irregular e sua cor era levemente esverdeada,
como se tivesse a superfície coberta por musgos. Era o que sua vista
captava." Pg.217
Meu conhecimento sobre a cultura japonesa é limitado então estava curiosa sobre o que ia encontrar por aqui. Foi tão bom sair daquele universo "americanizado", ultimamente é tudo tão parecido, muitas vezes confundo uma série com a outra. Fica claro como Geoge Owell inspirou essa obra, em vários momentos há observações sobre "A Revolução dos Bichos" e 1985". Há também referências a escritores, poetas japoneses e músicos como Janáček ( com essa sinfonetta abaixo) que aparece diversas vezes e parece ter uma ligação com toda a obra.
O autor leva a narrativa em uma velocidade maravilhosa, ela é fluida, em momento algum é rápida ou lenta demais. Ela tem um pouco de tudo: fantasia, conteúdo histórico, assassinatos, paixões, conspirações e principalmente mistério. O autor não revela nada antes da hora, as informações tantos sobre os personagens quanto ao o que está se passando é exposta no tempo certo, é possível ver a história dos três afunilando em algum momento, mas o "onde" , o "como" e o "quando" ficam a mercê de nossa imaginação por enquanto.
O final não foi apoteótico, mas de deixou curiosa sobre a continuação, a história em si foi revelada limitadamente, acredito que esse livro veio com o intuito de introduzir o ambiente e caracterizar os personagens. Indico a leitura a todos, exceto o público infanto-juvenil, apesar de haver esse mistério de fantasia no ar ele é um livro mais adulto.
"— É como a roda dos desejos do Tibete. Quando a roda gira, os
valores e os sentimentos movimentam-se para cima e para baixo,
resplandecendo e se ocultando na escuridão, mas o verdadeiro amor
encontra-se firmemente no centro da roda, e por isso nunca se move.
— Que lindo! — disse Ayumi. — A roda dos desejos do Tibete.
Terminou de beber o restante do vinho na taça." Pg.323